sexta-feira, 22 de abril de 2016

Meu Cabelo, Minha Identidade

Eu detestava ter o meu cabelo.
Ele ia sempre preso.
Isso porque se ficasse solto, falavam "pixaim" ou me chamavam de Elba Ramalho ou Gal ("o cabelo dela fica igual ao da Elba né?" seguido de um sorriso amarelo)... Enfim, sempre tinha alguém pra falar alguma coisa. E na verdade, até antes de EUZINHA me incomodar com MEU cabelo, alguém se incomodava por mim. A hora de "desembarassar" era um pesadelo. Terminava o banho e lá vinha minha mãe com a escova, o pente e o Neutrox ou o Yamasterol.

Esperança mesmo só quando enrolava o bobs ou fazia uma touca no cabelo (que dormia atochado de creme e dentro de um lenço enrolado na cabeça) e o cabelo amanhecia com volume menor e mais domável. Mas, no meio do dia já tava "armado" de novo.

Eu tinha uma tia, a Zélia, uma negona sambista (que só hoje entendo como era) e que vivia querendo fazer uns penteados "diferentes" no meu cabelo. Sabe... umas tranças, uns coques... e eu chorava, quase nunca deixava...aquilo me dava vergonha... normalmente, eu não deixava não. Pensava em mim chegando na escola e chamando a atenção. Queria só paz e que ninguém ficasse comentando nada sobre o meu cabelo ruim.

O que eu queria mesmo ter o cabelo da Jéssica minha vizinha, que era liso e escorrido até a cintura e os meninos gostavam dela. Eu tava sempre brincando, não ligava muito pra isso mas, no fundo, aquilo me incomodava, me dava inveja. Por que eles gostavam dela? Por que eu não chamava a atenção assim? Eu concluia então que era porque ela era linda e eu era feia. Porque o cabelo liso dela era lindo e o meu era feio. Eu chegava ao cúmulo de comparar o meu ao de outras meninas negras e dar graças a Deus que não era tão "duro" quanto o delas.

Acho que foi assim que essa auto-imagem começou a ser (des)(cons)truída.

Por que meu cabelo era ruim?
Porque provavelmente eu era ruim também.

Eu não sabia nada de genética mas, na minha cabecinha de criança comecei a perceber que de uma cabeça como a minha só brotava algo ruim.

Demorei anos e muitos anos ainda para entender que era possível ser bonita com meus cachinhos sim. Infelizmente, essa foi uma descoberta solitária. Não, infelizmente, não tenho uma família de gente esclarecida e empoderada não... na minha família rola um machismo insano, brotam uns reaças por lá, racistas (negros e pardos e brancos) muitas e muitas vezes. Óbvio que tem o pessoal de bem, são todos trabalhadores já que são toooodos classe média baixa. Não culpo ninguém não, ok? Mas, tenho certeza de que o meio influencia a forma de nos vermos e encararmos o mundo. INFLUENCIA, ainda bem, não necessariamente DETERMINA. Ter consciência disso é algo que eu atribuo somente a mim e a mais ninguém.

Enfim, não dei a sorte grande de estar rodeada dessas referências pra frentex, isso era anos 80 (comeco dos 90), cresci nesse período de Brasil saindo da ditadura militar e, na minha casa, a gente contava os dias pro momento em que poderíamos alisar o cabelo com alisabel. E, sim, é um fato que alisaram o meu cabelo por uns 2/3 anos... Não sem antes, claro, cortarem as nossas longas madeixas encaracoladas a praticamente zero..... De Gal a Sinead O'Connor. Aos 11 anos. Assim que cresceram, tascaram alisabel. O mal do cabelo ruim não poderia reinar, hahahaha. E foram semanas e semanas alisando e enrolando bobs, queimando a cabeça naqueles secadores de cabelo de astronauta em salões cheios de tias conservadoras que aplaudiam a tortura adolescente.

Talvez ali se consolidasse a destruição da minha auto-imagem: quando me fizeram acreditar que deixar o cabelo liso, me tornaria mais branca, mais imperceptivel na sociedade racista, mais aceitável pelos colegas do sexo oposto... me modificar daquela forma me tornaria algo que eu não era mas, que era tragável pela sociedade...

Eu pedi pra parar quando um centimetro de cabelo da parte da frente se dissolveu, fiquei careca naquele parte da cabeça e foi horrível o período de crescimento.

Aos 16 é que tive meu primeiro insight de que poderia deixar meu cabelo ser quem ele era.
Foi um período difícil até tudo crescer e eu tirar as pontas alisadas.
Mas, eu me olhava no espelho melhor.
Podia tomar chuva sem achar que ia morrer por perder a escova e o alisamento!!!

Quando entrei pra faculdade, a única crítica que recebia era por entuchar os cabelos de creme de pentear. Naquela época tinham lançado um produto chamado Seda Hidraloe que veio pra salvar a minha vida. Muito melhor que o Yamasterol, ao meu ver. Mas demorei tempos e tempos para perceber que meu cabelo caia muito com aquele creme.

Os amigos gays me ajudaram muito, me incentivando a usar os cachos soltos mas, eu continuava entuchando Hidraloe e achando que diminuir o volume era a solução. Mas, tava lá, resistente, usando cachinhos da forma que era possível usar. Uma grande amiga me chama de Cachinhos, como apelido, até hoje.

O importante é que nunca mais usei química no cabelo. Nem pintura, sabe?
E o mais importante é que há bastante tempo, desapeguei de vez dessa coisa de tentar agradar com o cabelo. E o primordial é me sentir tão à vontade de orgulhosa de ter as madeixas que tenho e dedicar uma parte do meu dia e da minha semana a cuidar deles, fazendo um cronograma capilar. Hidratando, umectando, restaurando, nutrindo...

Meus filhos nasceram de cabelo liso.
Eles não passarão pelo que eu passei ou passo.

Mas, a todos os que estão ao meu redor a minha palavra é de empoderamento, de encorajamento.

Cuidem dos seus cabelos, cuidem das suas identidades, cuidem dos seus corações e dos seus cérebros. Vivemos num país miscigenado onde há espaço para todos ainda que pra isso seja necessário lutar, resistir. Mantenham suas características, valorizem-se, Estejam, sejam, batam o pé, não esmoreçam.

Eu agradeço demais a quem tá do meu lado nisso, à amigas e amigos que ainda abrem os meus olhos recém acordados e que me empoderam para ser autêntica, sempre. E digo, apesar de ser difícil apagar as marcas das experiências.... com o tempo vou percebendo que é isso que nos faz úteis nessa vida: servir de exemplo, espalhar o exemplo, observar e empoderar...

(texto originalmente publicado aqui.)

sábado, 5 de março de 2016

Quem sou eu? Who am I? (ou Keila Nêga, parte 2)

Pra não dizer que não falei das flores, eu me apresento. Uso meu codinome de escritora mas, não ligo que me chamem pelo nome, que é Keila, mesmo.

A Keila é uma raladora, mãe, mulher, menina, mil coisas... Trabalha pra caramba e às vezes se inspira pra escrever, pra falar da vida, alcançar corações e estimular cérebros através das palavras compostas, impondo certo ritmo à leitura e à respiração de quem traga as palavras pelos olhos.

Keila é exímia observadora. Miss Liquid, a tradutora.
Uma observa e enquanto o coração e os pensamentos processam as imagens, os dedos da outra traduzem em palavras o que está sendo captado ali.

Dessa forma, também resolvo apresentar, logo de cara, um texto inicialmente publicado no blog da Miss Liquid, onde eu falo exatamente de como foi que me descobri negra, de onde veio a minha percepção de mim e do meu entendimento dessa percepção a partir do ponto de vista do outro.

Me assustou compreender que seria possível uma pessoa existir por anos sem compreender realmente o espaço ocupado por ela, no mundo. Curiosamente, aquilo não era factivel pra mim mas, quando aconteceu, tive que lidar com a responsabilidade de tudo aquilo. Ai, vai, obrigada a todos e espero que nos vejamos mais e mais por aí.... começa assim:

"Nasci assim meio café com leite.
Filha/Neta de indio, negro, brasileiro, português, africano, baiano, mineiro, paulista....
Tal e qual a música do Chico Buarque,
Sou assim essa mistura que veio ao mundo café com leite...
Não sou loira, não tenho olho azul.
Não sou ruiva, não tenho olho verde.
Tenho cabelo enrolado, olho escuro, nariz de "batatinha".
Mas, também não sou negra da pele escura, não tenho a bunda arrebitada.
Vim com olho meio puxado mas, não sou japonesa.
Sou um pouco índia mas, não sou pele vermelha.
Tenho cabelo enrolado mas, não é daquele duro não...
E é cabelo fino, muito cabelo, muito cachinho...
Não me passe um pente, não!

E assim eu cresci, sem saber me definir, sem saber o que significa esse "PARDO" estampado na minha certidão de nascimento. Me comparei a um envelope outro dia e fez todo o sentido. Mas, não sei quem veio primeiro: se o pardo da pele das pessoas é por causa do envelope ou o envelope tem esse nome por causa da pele das pessoas.

Pra fazer a confusão maior, quando fiz 12 anos, minha mãe correu comigo pro salão e mandou alisar. Bota química no cabelo ruim dela. E assim foram alguns largos anos sem poder lavar a cabeça todo dia, sem poder tomar chuva em dia de escova, sem poder ir na piscina com as meninas da escola. Além das sessões de tortura dentro do salão: o bobs... o secador com forma de capacete de astronauta, o couro cabeludo queimando e eu sem graça chamando a mulher do salão pra pedir para "abaixar" a temperatura...e depois, aquele estiiiiiica, estiiiiiica da escova e secador.

Graças a Deus eu acordei e deixei de cometer esse crime tão pronto pude ter voz ativa e impedir que me arrastassem pro salão (vide aos 16). Nem, alisamento, nem chapinha, nem escova japonesa/marroquina ou similares...

Mas, voltando pra questão da pele... a pele não resolvia não.
Nunca consegui resolver essa identidade até outro dia.
Me descobri negra sim, negra da pele clara sim mas, negra.
Negra que tem pé no samba, que tem origem na Africa, bisneta de escravo, neta de avô negro.
Negra com nariz de negro. Negra com pele de negra. Negra com ginga, com charme de negro.
Negra que gosta de rap, hip hop e que pensa nas questões sociais.

Como eu podia ser preconceituosa comigo mesma?
Como eu podia ser preconceituosa, de forma tão velada, com minha própria natureza, por tanto tempo?

Pensando um pouco... aqui no Brasil isso está enraizado na sociedade, na cultura... a gente ainda vive uma espécie de escravidão no país. Com tanto problema social, político e econômico é difícil imaginar que um país inteiro sairia do ostracismo de si mesmo, em 100/150 anos, sozinho e por milagre... dificil, não. Não sai. Tudo oprime e leva pra que essa diferença racial exista.

Nos Estados Unidos houve Malcom X, houve Martin Luther King. No mundo, existiram outras lutas de negros, existem muitas lutas ainda. Existe Nelson Mandela e uma infinidade de outras figuras que minha ignorância não permite listar agora...

E eu cresci lendo Cosmopolitan e Capricho...
Bem, pela primeira vez, me senti como uma sista. Me senti bem dentro da minha pele. Me senti tranquila por dizer que sou negra sim, e sou linda assim. Podem dizer o que quiserem. Não tenho mais vergonha de ser quem eu sou.... e isso, não por causa de ninguém.

é só por mim. e é assim que vou encontrar o meu caminho pra ser feliz.

Sou negra sim, e vou vivendo....
Tem gente que se nega e está morrendo...."

sexta-feira, 4 de março de 2016

Me descobri crespa

Quando eu me tornei crespa, eu me descobri negra, me tornei consciente e empoderada. Tudo isso foi um processo, e ainda está sendo, que não tem mais de quatro anos. Assumir o meu cabelo crespo foi literalmente assumir as minhas raízes e descobrir um universo onde eu finalmente me vejo e do qual eu me orgulho.

Rachel Oliveira, 24 anos, Rio de Janeiro - RJ, Publicitária.
Mas a real é que a gente sabe que é bom ser preto desde que você não seja preto. Porque o meu cabelo crespo em mim é sujo, duro e feio enquanto que na minha amiga branca é estiloso. Quando se nasce preto você aprende a se odiar desde cedo, tudo conspira pra isso, de uma maneira assustadoramente natural. A sua pele é feia, o seu cabelo é ruim, seu nariz de batata deveria ser mais fino, seus lábios são grossos demais, você é hipersexualizada e a sua capacidade intelectual é reduzida ao tamanho do seu quadril, apesar dele não ser pequeno. Você está totalmente fora dos padrões e não vai conseguir se ver nos editoriais de moda, na TV ou qualquer outra coisa, a não ser que o seu nome seja Cláudia e você esteja sendo arrastada por um camburão, ou você pode encontrar alguma citação referente a mulheres negras também quando o jornal citar que o índice de estupro entre essas aumentou 58% enquanto o de mulheres brancas diminuiu 12% no mesmo período e começar a se perguntar a quem serve esse feminismo legal sobre o qual você lê serve.  

Bom, precisamos falar sobre mulheres negras, eu sou mulher, sou negra e toda vez que eu puder falar sobre isso eu não vou hesitar. A minha história enquanto mulher negra consciente começa com a minha crespura. De negra e crespa foi sempre eu e Nana que é mais nova e na época não sabia me explicar muita coisa, tinha as mesmas perguntas ou mais. Dentro de casa eu não tinha nenhuma referência, Dona Cláudia, minha mãe, tem fortes traços de índia, nunca soube o que é ter cabelo crespo, mas me dizia que o meu cabelo era igual ao do meu pai, que era careca... Sempre estudando em boas escolas particulares, eu era a única negra da turma, a que tinha que ir como cabelo preso pra não passar piolho, segundo a professora, a que tinha o cabelo alto demais, a que tinha o cabelo ruim, a que parecia uma vassoura, a que ouvia "Você não é feia, não é tão preeeta, preta, tem até traços finos, é só alisar esse cabelo" de repente dizer que eu não era tão negra virou uma forma de me elogiar e dizer que eu deveria alisar o meu cabelo era a dica do ano que ia me salvar de algo horrível. 

Você cresce aprendendo que tudo o que colabora para você ser preto quando se tem a pele preta é a pior coisa que poderia te acontecer, você escuta que "O foda é quando só sobra a pretinha do cabelo ruim pra pegar", junta isso com todos os outros bombardeios sobre como ser negro é ruim e corre atrás de uma aceitação que é a negação e então você faz a sua primeira escova. Pronto, agora você tem um cabelo que balança feito o cabelo das atrizes e das suas amigas e nunca mais vai ser a neguinha do cabelo ruim... Apesar de continuar sendo seguida em lojas, apesar de continuar sendo hipersexualizada, apesar de ser animalizada, apesar de não poder entrar em certos lugares simplesmente por ser negra, apesar de ser confundida com a empregada no prédio onde mora, apesar de sair com medo de ser estuprada por ser o que chamam de mulata exportação, ser chamada de liberal e fogosa por ser negra e o seu corpo nunca ter sido seu e a prova disso serem aqueles 58% que só aumentam e apesar de você ver na TV que quem apanha e morre na mão da polícia com 78 tiros e a desculpa de auto de resistência não é o branco desconstruído que usa dread ou a menina branca cacheada com boca grossa e nariz de batata que se julga negra por ter traços de gente negra, quem tá morrendo nesse país é o preto que tem a pele preta, justamente por ter a pele preta.

Então você repete o mantra sobre como ter cabelo liso é melhor por ser mais prático, até acha o cabelo crespo bonito, mas em outras pessoas, em você não, e tem a cara de pau de dizer que já alisou tanto o cabelo que agora ele não volta mais a ser o que era antes. São coisas nas quais você quer acreditar e verbaliza, você já aprendeu a se odiar e não aprendeu isso sozinha, então tudo o que te afastar da sua origem será testado por você. O processo de alisamento capilar é para mim a pior automutilação que a sociedade condiciona à mulher negra. Você olha para o espelho e não se vê e não entende o porquê de para ser aceita tudo o que você não pode é ser você, mulher negra na sua essência, é um processo que adoece o nosso psicológico e nos fere fisicamente. O relaxamento, a guanidina, produtos que alisavam a minha raiz me machucavam literalmente, abrindo feridas na minha cabeça, e como eu chorava, como doía, sangrava, mas eu não parava, porque eu era uma adolescente negra que queria ser bonita e para ser bonita eu precisava embranquecer, fui dos 14 anos aos 21 fazendo todo tipo de escova progressiva, chapinha que queimava a minha cabeça e fazia o meu cabelo cair, então de um cabelo, crespo, forte, hidratado e na cintura eu tive o meu cabelo na altura do queixo e não porque eu achei o corte legal, mas porque ele caiu. Eu estava ficando careca, mas ninguém jamais poderia me ver com o cabelo crespo, do contrário descobririam que eu era aquela neguinha do cabelo ruim que o menino me dissera aos 14 anos, que ele provavelmente aprendeu com os pais, e que nunca ninguém desmentiu, que a TV reforçou e que eu acreditei. 

A verdade é que só eu sabia o gosto amargo que era me vestir um pouco gente branca todos os dias pra tentar passar desapercebida, porque a essa altura do campeonato a gente já desistiu até de ser bonita, seria tolo, até porque nenhuma marca de produtos de beleza conversava comigo em suas peças publicitárias. E quando lembravam da minha existência era pra me trazer um produto que reduziria o volume do meu cabelo ou para cuidar do meu cabelo quimicamente tratado, porque entende-se que toda negra trata quimicamente o cabelo, e se não trata deveria, e precisa reduzir o volume.  

Aos 21 anos tive enfim meu pontapé, molhei sem querer o meu cabelo no banho e o rapaz pelo qual vou guardar sempre muito carinho, descobriu que eu era uma neguinha do cabelo ruim. Eu fiquei desesperada, e ele pro meu espanto agiu de maneira natural, tão natural a ponto de fazer com que eu me sentisse confortável vendo a minha imagem no espelho, vendo o meu cabelo querendo tomar uma forma que eu já nem lembrava mais qual era. Ele nunca agiu como se estivesse me fazendo um favor (esse será assunto para um outro post), tive sorte. Ele realmente me achava bonita e foi a primeira vez que eu me senti de fato bonita. Resolvi então que nunca mais alisaria os meus cabelos, nunca mais embranqueceria, nunca mais daria nenhum passo atrás, parei com todas as químicas, chapinhas e escovas, Naninha cortou toda a parte que tinha química ainda no meu cabelo, na época eu não fazia ideia ainda sobre o que era o BC, eu só queria me livrar mesmo de tudo o que me negava e silenciava. 

Tornei-me crespa e perdi o meu emprego, porque segundo a minha ex chefe, não era adequado eu ter aquela aparência crespa. Por um momento eu senti me senti novamente errada e envergonhada por ser negra, porque é algo perto disso que se sente quando se sofre racismo, você se sente errado, mas não sabe o porque, e sente vergonha, mas também não sabe o porque, talvez por não ter um porquê. Lembrei do quão bonita eu tinha me descoberto, mas tomei ciência de que essa era uma descoberta só minha e daquele rapaz, ser demitida depois de me assumir crespa sendo uma negra de pele escura era só uma das merdas que estavam por vir e que eu não iria mais conseguir ignorar. Meu processo de transição capilar não foi fácil, ser negra nesse país não é fácil, mas desde que eu me descobri bonita com toda a minha negritude eu nunca mais retrocedi porque o meu cabelo crespo não era uma questão de moda como dizem, ele foi a minha primeira ferramenta de resistência.